Musk X Moraes: ‘Há erros dos dois lados que estão se retroalimentando’, avalia professor da USP

Pablo Ortellado avalia que conduta de ministro do STF foi arrogante na condução de inquéritos. E ele considera que Musk agiu com desrespeito à legislação brasileira e que bloqueio do X se tornou inevitável. Elon Musk e Aleandre de Moraes
EVARISTO SA, ETIENNE LAURENT / AFP
“Há erros dos dois lados que estão se retroalimentando”, afirma Pablo Ortellado, professor de gestão de políticas públicas na USP, sobre o imbróglio entre o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o bilionário Elon Musk.
Na sexta-feira (30/8), Moraes suspendeu o X (antigo Twitter), que pertence a Musk desde outubro de 2022, em todo o Brasil.
O STF havia determinado que o bilionário nomeasse um representante legal no Brasil e cumprisse uma série de ordens de bloqueio de conteúdo e usuários. Mas Musk se recusa a acatar os pedidos, sob o argumento de liberdade de expressão e acusa o judiciário brasileiro de ser uma ameaça à democracia.
Moraes aponta que “Musk confunde liberdade de expressão com uma inexistente liberdade de agressão”.
O ministro afirma que a postura adotada por Musk incentiva discursos extremistas e antidemocráticos.
Logo após a suspensão da rede, Musk reagiu em sua conta no X. Ele disse que “a liberdade de expressão é a base da democracia e um pseudo-juiz não eleito no Brasil está destruindo-a para fins políticos”.
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Professor da USP, Pablo Ortellado afirma que há erros dos dois lados no embate entre Elon Musk e o ministro Alexandre de Moraes
Reprodução/USP
Para Ortellado, a suspensão da rede foi “inevitável”, porque considera que a postura de Musk ao desobedecer pedidos judiciais foi uma “afronta à Justiça”.
Mas o professor da USP critica o modo como o ministro do STF conduz os inquéritos dos movimentos antidemocráticos, principalmente na parte em que trata sobre as publicações de conteúdos nas redes sociais como o X.
“Acho que a maneira como o Moraes está conduzindo tudo isso é arrogante. Existem poderes excepcionais que não se justificam nessas ações”, diz.
Ortellado se refere principalmente a diversos pedidos de Moraes para derrubar perfis na plataforma de Musk. “Pedir para retirar uma conta por causa de uma publicação é uma censura prévia”, avalia.
O STF disse em nota à BBC News Brasil que não irá comentar as críticas de Ortellado. O X também foi procurado e não respondeu aos questionamentos.
Moraes X Musk
O embate entre Moraes e Musk prejudica a democracia brasileira, aponta Ortellado.
“É uma disputa que está tão polarizada que as pessoas estão tendo dificuldades para encontrar as nuances. O pessoal que vê a postura de Musk com preocupação tende a justificar todas as medidas de Moraes e vice-versa”, acrescenta.
Sobre a conduta de Moraes nos inquéritos antidemocráticos, que apuram a disseminação de fake news, milícias digitais e atos golpistas, Ortellado argumenta que a exclusão de perfis por causa de uma publicação pode ser considerada uma medida abusiva.
“Antes da crise do Bolsonaro, havia um entendimento consolidado de que se havia uma publicação ilícita, era preciso ir à Justiça e a publicação era excluída e poderia haver outras implicações jurídicas a partir dela, até mesmo criminais. Mas o perfil não era excluído, porque isso seria partir do entendimento de que se a pessoa fez aquela publicação fará outra igual no futuro. Isso é censura prévia, é completamente abusivo”, diz.
Ortellado, estudioso sobre o bolsonarismo, explica que esse entendimento mudou por causa dos constantes ataques à democracia e dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.
“Diante de tudo isso, começou a pedir a suspensão das contas. Naquelas circunstâncias, honestamente, esses pedidos eram justificáveis porque havia uma campanha organizada para desestabilizar a democracia brasileira e havia contas fazendo múltiplas postagens por dia. A Justiça não dava conta de excluir só uma postagem, seria enxugar gelo.”
No entanto, segundo o professor da USP, esses pedidos para excluir perfis continuaram, mesmo após as investigações e prisões dos envolvidos nos atos antidemocráticos de janeiro de 2023.
“As pessoas foram identificadas, as prisões foram feitas, houve trabalho da Polícia Federal e todo mundo foi indiciado. Não havia mais motivos para continuarem excluindo contas. Deveriam ter regredido ao entendimento anterior, de que fazer isso é censura prévia”, afirma.
Ortellado frisa que os inquéritos antidemocráticos tramitam em segredo e as decisões de Moraes sobre as exclusões dos perfis não costumam ser publicizadas, o que dificulta o entendimento sobre as motivações das medidas tomadas pelo ministro.
“As pessoas que são alvos desses inquéritos dizem que não são notificadas para que possam se defender. Mas claro, é preciso tomar cuidado, porque as partes que estão sofrendo isso são politicamente motivadas, mas está tudo em segredo de Justiça”, diz.
Sem detalhamentos do STF, Ortellado frisa que muitos podem se apegar ao que é dito por Musk, que classifica Moraes como um ditador que quer excluir os perfis de seus opositores.
“Mas o Musk é politicamente motivado. Não acredito que ele seja defensor da liberdade de expressão. Essa postura dele parece uma fachada, que depende do regime e do governo com o qual está lidando”, diz o professor da USP.
Ortellado cita decisões judiciais na Índia e na Turquia em que Musk, apesar de uma resistência inicial, acolheu pedidos de exclusões de perfis no X por conteúdos considerados inapropriados.
“Eu acho que ele (Musk) está fazendo isso politicamente motivado, atacando o governo de esquerda e a Justiça brasileira, que ele entende que está alinhada ao governo de esquerda.”
O que o X alegou sobre decisão de fechar escritório no Brasil
Alexandre de Moraes suspende X no Brasil
As consequências do embate
Ainda que questione a conduta de Moraes, Ortellado frisa que a postura de Musk não deixou outra alternativa que não fosse a suspensão da rede social. O professor pondera que o bilionário poderia questionar a conduta do ministro somente na Justiça, não por meio de publicações jocosas nas redes e descumprimento de decisões judiciais.
“A maneira como o Musk agiu foi absurda e ilegal. Ele começou a desobedecer a decisão judicial, destituiu os representantes legais do X e começou a caçoar da Justiça. E a Justiça endureceu porque tinha que endurecer. Foi um absurdo, completamente moleque”, declara.
“E a expectativa é de que por ele ter afrontado a Justiça e não ter seguido as leis brasileiras, não há chances de que um recurso dele (contra o bloqueio do X) seja favorável neste momento, porque senão vai parecer que os juízes respaldam alguém que está afrontando a Justiça brasileira”.
“Tudo o que vem da Justiça depois dessa postura dele, como a proibição do X no Brasil, é completamente razoável.”
Ele aponta que todo esse imbróglio causará prejuízos para a plataforma do bilionário, já que o Brasil é o sexto maior mercado do X no mundo. Segundo a plataforma global de dados e estatísticas Statista, o país tinha 21,5 milhões de usuários da rede, ficando atrás de EUA, Japão, Índia, Indonésia e Reino Unido.
“Mesmo para alguém que tem muito dinheiro, isso não é algo inexpressivo. Não é pouca coisa que ele está jogando fora. Talvez ele esteja medindo força para ver até onde o Alexandre de Moraes vai, mas isso causa várias implicações pro Musk, uma das principais é a financeira, porque ele está perdendo muito dinheiro”, avalia.
Os problemas de Musk com a Justiça brasileira, segundo Ortellado, acenderam um alerta em todo o mundo.
“Não existe uma percepção mundial de que o Brasil se juntou a países como a China, a Rússia e o Irã ao suspender o X. A percepção é de que o X foi proibido em um país democrático, porque ele desafiou a justiça local. Uma coisa é a rede ser banida em um país autoritário, outra coisa é em um país democrático”., diz.
“Isso deve ter repercussão no ambiente regulatório de todos os países, inclusive nos Estados Unidos, onde sabem da relação próxima entre Musk e Trump (candidato à presidência) e já podem imaginar algo semelhante ocorrendo”, acrescenta.
Mas a Justiça brasileira também deve sentir as consequências do episódio com Musk, avalia Ortellado.
Ele aponta que faltou detalhamento à população sobre os pedidos de derrubada dos perfis, além de as notificações ao X sobre a possível suspensão da plataforma não terem sido divulgadas abertamente com antecedência.
“O STF se sente respaldado porque muitas pessoas têm receios e dedos de fazer críticas a ele, dado ao papel fundamental que teve para assegurar a democracia.”
“Acontece que manter esses poderes excepcionais em situações em que não se justifica faz com que o STF perca a legitimidade na sociedade brasileira. Me preocupa que um Supremo não tenha a confiança de 40% da sociedade brasileira”, diz.
Ortellado se refere à pesquisa “A Cara da Democracia”, do Instituto da Democracia (IDDC-INCT), deste ano. O levantamento revelou que o STF desperta “muita confiança” em 15% das pessoas, enquanto 45% afirmam confiar “mais ou menos” ou “pouco”. Já os que não confiam são 37% – o índice chegou a 43% em 2021, durante o governo Jair Bolsonaro, que proferia inúmeros ataques à Corte.
“O Supremo precisa resgatar a legitimidade com os brasileiros. É preciso que essa máquina volte a funcionar de maneira mais normal para que as pessoas resgatem a confiança na Justiça”, afirma Ortellado.
Moraes suspendeu Telegram em 2022 e empresa pediu desculpas para voltar a operar no Brasil
Bloqueio do X pode alimentar ato bolsonarista no 7 de setembro, diz consultoria
5 perguntas para entender embate entre Elon Musk e Alexandre de Moraes

X suspenso: julgamento na 1ª Turma do STF, e não no plenário, é misto de regimento e ‘estratégia’

Primeira Turma é composta de cinco ministros; por lá, há menos chances de adiar o julgamento ou levar o tema a plenário físico. Opção tem respaldo do regimento do STF. Elon Musk e Aleandre de Moraes
EVARISTO SA, ETIENNE LAURENT / AFP
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu levar à Primeira Turma da corte – e não ao plenário completo – a sua decisão individual que sacudiu o país na última semana: a suspensão da rede social X, de Elon Musk, em todo o território nacional.
A decisão de Moraes foi tomada após Musk descumprir a lei e deixar a empresa sem representante no Brasil. A regra é clara: nenhuma empresa pode funcionar aqui sem representação local.
Para levar o caso à Primeira Turma, Moraes se valeu do Regimento Interno do STF, mas também usou a estratégia para levar o tema a um colegiado menor: serão cinco ministros, e não 11.
O regimento prevê que casos criminais devem ir obrigatoriamente a plenário apenas quando envolvem o presidente da República ou dos demais poderes. Em outros casos, o relator pode submeter ao plenário ou às turmas.
Ou seja: no caso do X, Moraes teria duas opções dentro das regras: o plenário ou a turma. Escolheu a turma.
E por que escolheu assim? Segundo ministros ouvidos pelo blog, há uma lista de fatores:
E por que não fez isso? Há uma lista de motivos claros, segundo ministro ouvidos pelo blog.
na turma, há chance menor de um ministro pedir vista – ou seja, adiar a conclusão do julgamento;
na turma, também é menor a chance de um pedido de destaque – ou seja, de levar o caso ao plenário físico, com leitura de votos;
na turma, é também menor a chance de divergência sobre o conteúdo da decisão e a postura de Elon Musk – o que agravaria ainda mais a tensão sobre o caso;
na turma, aumentam as chances de a decisão individual de Moraes ser confirmada por unanimidade.
Primeira Turma do STF julga decisão de Moraes para manter X suspenso no Brasil
O STF vê o caso como uma resposta institucional a quem quiser desrespeitar a lei brasileira – qualquer que seja o poder econômico e a influência da pessoa.
É unânime, na Corte, a avaliação de que Elon Musk não pode descumprir a lei e, ainda, rir na cara das instituições. Nem Musk, nem qualquer outro.
O que causa divergências e críticas entre juristas é uma outra decisão de Moraes no mesmo caso, e que não é alvo do julgamento virtual: o bloqueio de contas da Starlink, outra empresa de Musk, para pagar multas do X no Brasil.
Esse caso poderia “contaminar” o julgamento em plenário da suspensão do X. E, por isso, é mais estratégico seguir com o tema em uma esfera menos polêmica.
O presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Baigorri, afirmou neste domingo (1º) que a empresa Starlink comunicou a ele que não vai cumprir a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Frederal (STF), de suspender o acesso de seus usuários à rede social X.
A Starlink avisou a Anatel de que não vai cumprir a ordem até que as contas da empresa, bloqueadas também por determinação do ministro, sejam desbloqueadas pela Justiça.

X suspenso: julgamento na 1ª Turma do STF, e não no plenário, é misto de regimento e ‘estratégia’

Primeira Turma é composta de cinco ministros; por lá, há menos chances de adiar o julgamento ou levar o tema a plenário físico. Opção tem respaldo do regimento do STF. Elon Musk e Aleandre de Moraes
EVARISTO SA, ETIENNE LAURENT / AFP
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu levar à Primeira Turma da corte – e não ao plenário completo – a sua decisão individual que sacudiu o país na última semana: a suspensão da rede social X, de Elon Musk, em todo o território nacional.
A decisão de Moraes foi tomada após Musk descumprir a lei e deixar a empresa sem representante no Brasil. A regra é clara: nenhuma empresa pode funcionar aqui sem representação local.
Para levar o caso à Primeira Turma, Moraes se valeu do Regimento Interno do STF, mas também usou a estratégia para levar o tema a um colegiado menor: serão cinco ministros, e não 11.
O regimento prevê que casos criminais devem ir obrigatoriamente a plenário apenas quando envolvem o presidente da República ou dos demais poderes. Em outros casos, o relator pode submeter ao plenário ou às turmas.
Ou seja: no caso do X, Moraes teria duas opções dentro das regras: o plenário ou a turma. Escolheu a turma.
E por que escolheu assim? Segundo ministros ouvidos pelo blog, há uma lista de fatores:
E por que não fez isso? Há uma lista de motivos claros, segundo ministro ouvidos pelo blog.
na turma, há chance menor de um ministro pedir vista – ou seja, adiar a conclusão do julgamento;
na turma, também é menor a chance de um pedido de destaque – ou seja, de levar o caso ao plenário físico, com leitura de votos;
na turma, é também menor a chance de divergência sobre o conteúdo da decisão e a postura de Elon Musk – o que agravaria ainda mais a tensão sobre o caso;
na turma, aumentam as chances de a decisão individual de Moraes ser confirmada por unanimidade.
Primeira Turma do STF julga decisão de Moraes para manter X suspenso no Brasil
O STF vê o caso como uma resposta institucional a quem quiser desrespeitar a lei brasileira – qualquer que seja o poder econômico e a influência da pessoa.
É unânime, na Corte, a avaliação de que Elon Musk não pode descumprir a lei e, ainda, rir na cara das instituições. Nem Musk, nem qualquer outro.
O que causa divergências e críticas entre juristas é uma outra decisão de Moraes no mesmo caso, e que não é alvo do julgamento virtual: o bloqueio de contas da Starlink, outra empresa de Musk, para pagar multas do X no Brasil.
Esse caso poderia “contaminar” o julgamento em plenário da suspensão do X. E, por isso, é mais estratégico seguir com o tema em uma esfera menos polêmica.
O presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Baigorri, afirmou neste domingo (1º) que a empresa Starlink comunicou a ele que não vai cumprir a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Frederal (STF), de suspender o acesso de seus usuários à rede social X.
A Starlink avisou a Anatel de que não vai cumprir a ordem até que as contas da empresa, bloqueadas também por determinação do ministro, sejam desbloqueadas pela Justiça.

Suspender uma rede social é medida extrema, mas Musk não deixou alternativa, avaliam ministros do STF

Ministro Alexandre de Moraes durante a sessão da Primeira Turma do STF.
Carlos Moura/SCO/STF
Colegas do ministro Alexandre de Moraes avaliam que suspender uma rede social é uma medida extrema e deveria, sempre que possível, ser evitada.
Só que o empresário Elon Musk não deixou alternativa a não ser o bloqueio diante do descumprimento de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e da recusa em nomear um representante legal da rede X no Brasil.
Ainda segundo os ministros, sempre haverá o questionamento de que o STF pode estar sendo contra a liberdade de expressão.
Primeira Turma do STF julga decisão de Moraes para manter X suspenso no Brasil
No caso da rede X, porém, a avaliação praticamente unânime, com uma ou outra exceção, é que não havia outra saída.
É uma questão, dizem ministros, de soberania, de garantir a legislação brasileira, seja qual for a empresa, será cumprida.
O fato é que o empresário Elon Musk provocou e buscou o bloqueio de forma deliberada, com viés político e não empresarial, descumprindo a legislação brasileira que obriga uma plataforma digital a ter um representante no Brasil, alegam ministros do Supremo.
A avaliação é que o caminho para distensionar o ambiente será encerrar em breve o inquérito das fake news.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o presidente da Suprema Corte, Luís Roberto Barroso, não quis se comprometer com datas, mas afirmou que o fim do inquérito não está muito distante. Antes das eleições, porém, não será.
A guerra entre o ministro Alexandre de Moraes e o empresário Elon Musk terá nesta segunda-feira (2) um novo capítulo e deixará de ser a decisão de um magistrado para uma medida com o apoio do colegiado da Primeira Turma.
A submissão rápida da decisão monocrática ao plenário da Primeira Turma era vista dentro do STF como necessária para mostrar que não se trata de ação isolada do Supremo, mas uma medida com apoio de outros ministros.
A Primeira Turma é formada por Alexandre de Moraes, seu presidente, Cármen Lúcia, Flávio Dino, Cristiano Zanin e Luiz Fux.
A expectativa dentro do tribunal é que o placar final seja unânime para manter a decisão de Moraes.
Até as 9h desta segunda, o placar já mostrava dois votos pela manutenção do bloqueio da rede X, do próprio relator e do ministro Flávio Dino.

Musk X Moraes: ‘Há erros dos dois lados que estão se retroalimentando’, avalia professor da USP

Pablo Ortellado avalia que conduta de ministro do STF foi arrogante na condução de inquéritos. E ele considera que Musk agiu com desrespeito à legislação brasileira e que bloqueio do X se tornou inevitável. Elon Musk e Aleandre de Moraes
EVARISTO SA, ETIENNE LAURENT / AFP
“Há erros dos dois lados que estão se retroalimentando”, afirma Pablo Ortellado, professor de gestão de políticas públicas na USP, sobre o imbróglio entre o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o bilionário Elon Musk.
Na sexta-feira (30/8), Moraes suspendeu o X (antigo Twitter), que pertence a Musk desde outubro de 2022, em todo o Brasil.
O STF havia determinado que o bilionário nomeasse um representante legal no Brasil e cumprisse uma série de ordens de bloqueio de conteúdo e usuários. Mas Musk se recusa a acatar os pedidos, sob o argumento de liberdade de expressão e acusa o judiciário brasileiro de ser uma ameaça à democracia.
Moraes aponta que “Musk confunde liberdade de expressão com uma inexistente liberdade de agressão”.
O ministro afirma que a postura adotada por Musk incentiva discursos extremistas e antidemocráticos.
Logo após a suspensão da rede, Musk reagiu em sua conta no X. Ele disse que “a liberdade de expressão é a base da democracia e um pseudo-juiz não eleito no Brasil está destruindo-a para fins políticos”.
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Entenda em 5 pontos a decisão de Moraes
Professor da USP, Pablo Ortellado afirma que há erros dos dois lados no embate entre Elon Musk e o ministro Alexandre de Moraes
Reprodução/USP
Para Ortellado, a suspensão da rede foi “inevitável”, porque considera que a postura de Musk ao desobedecer pedidos judiciais foi uma “afronta à Justiça”.
Mas o professor da USP critica o modo como o ministro do STF conduz os inquéritos dos movimentos antidemocráticos, principalmente na parte em que trata sobre as publicações de conteúdos nas redes sociais como o X.
“Acho que a maneira como o Moraes está conduzindo tudo isso é arrogante. Existem poderes excepcionais que não se justificam nessas ações”, diz.
Ortellado se refere principalmente a diversos pedidos de Moraes para derrubar perfis na plataforma de Musk. “Pedir para retirar uma conta por causa de uma publicação é uma censura prévia”, avalia.
O STF disse em nota à BBC News Brasil que não irá comentar as críticas de Ortellado. O X também foi procurado e não respondeu aos questionamentos.
Moraes X Musk
O embate entre Moraes e Musk prejudica a democracia brasileira, aponta Ortellado.
“É uma disputa que está tão polarizada que as pessoas estão tendo dificuldades para encontrar as nuances. O pessoal que vê a postura de Musk com preocupação tende a justificar todas as medidas de Moraes e vice-versa”, acrescenta.
Sobre a conduta de Moraes nos inquéritos antidemocráticos, que apuram a disseminação de fake news, milícias digitais e atos golpistas, Ortellado argumenta que a exclusão de perfis por causa de uma publicação pode ser considerada uma medida abusiva.
“Antes da crise do Bolsonaro, havia um entendimento consolidado de que se havia uma publicação ilícita, era preciso ir à Justiça e a publicação era excluída e poderia haver outras implicações jurídicas a partir dela, até mesmo criminais. Mas o perfil não era excluído, porque isso seria partir do entendimento de que se a pessoa fez aquela publicação fará outra igual no futuro. Isso é censura prévia, é completamente abusivo”, diz.
Ortellado, estudioso sobre o bolsonarismo, explica que esse entendimento mudou por causa dos constantes ataques à democracia e dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.
“Diante de tudo isso, começou a pedir a suspensão das contas. Naquelas circunstâncias, honestamente, esses pedidos eram justificáveis porque havia uma campanha organizada para desestabilizar a democracia brasileira e havia contas fazendo múltiplas postagens por dia. A Justiça não dava conta de excluir só uma postagem, seria enxugar gelo.”
No entanto, segundo o professor da USP, esses pedidos para excluir perfis continuaram, mesmo após as investigações e prisões dos envolvidos nos atos antidemocráticos de janeiro de 2023.
“As pessoas foram identificadas, as prisões foram feitas, houve trabalho da Polícia Federal e todo mundo foi indiciado. Não havia mais motivos para continuarem excluindo contas. Deveriam ter regredido ao entendimento anterior, de que fazer isso é censura prévia”, afirma.
Ortellado frisa que os inquéritos antidemocráticos tramitam em segredo e as decisões de Moraes sobre as exclusões dos perfis não costumam ser publicizadas, o que dificulta o entendimento sobre as motivações das medidas tomadas pelo ministro.
“As pessoas que são alvos desses inquéritos dizem que não são notificadas para que possam se defender. Mas claro, é preciso tomar cuidado, porque as partes que estão sofrendo isso são politicamente motivadas, mas está tudo em segredo de Justiça”, diz.
Sem detalhamentos do STF, Ortellado frisa que muitos podem se apegar ao que é dito por Musk, que classifica Moraes como um ditador que quer excluir os perfis de seus opositores.
“Mas o Musk é politicamente motivado. Não acredito que ele seja defensor da liberdade de expressão. Essa postura dele parece uma fachada, que depende do regime e do governo com o qual está lidando”, diz o professor da USP.
Ortellado cita decisões judiciais na Índia e na Turquia em que Musk, apesar de uma resistência inicial, acolheu pedidos de exclusões de perfis no X por conteúdos considerados inapropriados.
“Eu acho que ele (Musk) está fazendo isso politicamente motivado, atacando o governo de esquerda e a Justiça brasileira, que ele entende que está alinhada ao governo de esquerda.”
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Ainda que questione a conduta de Moraes, Ortellado frisa que a postura de Musk não deixou outra alternativa que não fosse a suspensão da rede social. O professor pondera que o bilionário poderia questionar a conduta do ministro somente na Justiça, não por meio de publicações jocosas nas redes e descumprimento de decisões judiciais.
“A maneira como o Musk agiu foi absurda e ilegal. Ele começou a desobedecer a decisão judicial, destituiu os representantes legais do X e começou a caçoar da Justiça. E a Justiça endureceu porque tinha que endurecer. Foi um absurdo, completamente moleque”, declara.
“E a expectativa é de que por ele ter afrontado a Justiça e não ter seguido as leis brasileiras, não há chances de que um recurso dele (contra o bloqueio do X) seja favorável neste momento, porque senão vai parecer que os juízes respaldam alguém que está afrontando a Justiça brasileira”.
“Tudo o que vem da Justiça depois dessa postura dele, como a proibição do X no Brasil, é completamente razoável.”
Ele aponta que todo esse imbróglio causará prejuízos para a plataforma do bilionário, já que o Brasil é o sexto maior mercado do X no mundo. Segundo a plataforma global de dados e estatísticas Statista, o país tinha 21,5 milhões de usuários da rede, ficando atrás de EUA, Japão, Índia, Indonésia e Reino Unido.
“Mesmo para alguém que tem muito dinheiro, isso não é algo inexpressivo. Não é pouca coisa que ele está jogando fora. Talvez ele esteja medindo força para ver até onde o Alexandre de Moraes vai, mas isso causa várias implicações pro Musk, uma das principais é a financeira, porque ele está perdendo muito dinheiro”, avalia.
Os problemas de Musk com a Justiça brasileira, segundo Ortellado, acenderam um alerta em todo o mundo.
“Não existe uma percepção mundial de que o Brasil se juntou a países como a China, a Rússia e o Irã ao suspender o X. A percepção é de que o X foi proibido em um país democrático, porque ele desafiou a justiça local. Uma coisa é a rede ser banida em um país autoritário, outra coisa é em um país democrático”., diz.
“Isso deve ter repercussão no ambiente regulatório de todos os países, inclusive nos Estados Unidos, onde sabem da relação próxima entre Musk e Trump (candidato à presidência) e já podem imaginar algo semelhante ocorrendo”, acrescenta.
Mas a Justiça brasileira também deve sentir as consequências do episódio com Musk, avalia Ortellado.
Ele aponta que faltou detalhamento à população sobre os pedidos de derrubada dos perfis, além de as notificações ao X sobre a possível suspensão da plataforma não terem sido divulgadas abertamente com antecedência.
“O STF se sente respaldado porque muitas pessoas têm receios e dedos de fazer críticas a ele, dado ao papel fundamental que teve para assegurar a democracia.”
“Acontece que manter esses poderes excepcionais em situações em que não se justifica faz com que o STF perca a legitimidade na sociedade brasileira. Me preocupa que um Supremo não tenha a confiança de 40% da sociedade brasileira”, diz.
Ortellado se refere à pesquisa “A Cara da Democracia”, do Instituto da Democracia (IDDC-INCT), deste ano. O levantamento revelou que o STF desperta “muita confiança” em 15% das pessoas, enquanto 45% afirmam confiar “mais ou menos” ou “pouco”. Já os que não confiam são 37% – o índice chegou a 43% em 2021, durante o governo Jair Bolsonaro, que proferia inúmeros ataques à Corte.
“O Supremo precisa resgatar a legitimidade com os brasileiros. É preciso que essa máquina volte a funcionar de maneira mais normal para que as pessoas resgatem a confiança na Justiça”, afirma Ortellado.
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Rede social X é suspensa no Brasil após ordem de Moraes

Empresa de Elon Musk não seguiu ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes para apresentar um representante oficial no país para o antigo Twitter. ‘X’ começa a sair do ar após decisão de Moraes
A rede social X começou a ser suspensa já no início da madrugada deste sábado (31). Clientes de operadoras, como Vivo, Claro e Oi, relataram a queda do antigo Twitter no início da madrugada.
A suspensão do X foi determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes na última sexta-feira (30) e vale até a rede cumprir ordens judiciais, pagar multas e indicar um representante no país.
Embora a suspensão tenha começado, o X ainda podia ser acessado por alguns usuários até a última atualização desta reportagem. Conforme o site Downdetector, que monitora e informa interrupções de serviços online, houve um pico de usuários reportando falha para acessar o X às 0h10.
A suspensão do serviço não acontece instantaneamente. As operadoras têm que impedir o acesso dos clientes a todos servidores da rede social, incluindo tanto o que é acessado pelo navegador quanto o que é armazenado no celular.
Para alguns usuários que já estão sem acesso, o site ou aplicativo chegam a mostrar o template do X, mas não carrega as postagens e perfis.
Como uma rede social deixa de funcionar no Brasil?
Comprado pelo bilionário Elon Musk em 2022, o X, que até pouco tempo era chamado de Twitter, não divulga o seu número de usuários. Mas consultorias estimam que sejam 20 milhões no Brasil, um dos principais mercados da rede social no mundo.
Às 3h46, Musk usou o X para dizer que vai começar a publicar no domingo (1º) o que ele chama de “longa lista de crimes” do ministro do STF. “Obviamente, ele não precisa obedecer às leis dos EUA, mas precisa obedecer às leis do seu próprio país. Ele é um ditador e uma fraude, não um juiz”, atacou.
Os capítulos até a suspensão
17 de agosto: em um post no X, a rede social anuncia o fechamento do seu escritório no Brasil, alegando que Moraes ameaçou prender a então representante legal da empresa no país.
28 de agosto: em seu perfil no X, o STF responde ao post da rede social com uma intimação de Moraes, exigindo que um novo seja apontado um novo representante da empresa no Brasil em 24 horas. E marca o perfil de Musk. A intimação via rede social é algo inédito, segundo o tribunal.
Intimação do STF contra o X dava prazo de 24 horas para empresa indicar representante no Brasil
Reprodução/X
29 de agosto: Moraes determina o bloqueio das contas da Starlink, outra empresa de Musk, que provê internet via satélite, para garantir o pagamento das multas aplicadas pela Justiça contra o X.
No mesmo dia, após o fim do prazo de 24 horas, o X posta que não seguiria “ordens ilegais e secretas” de Moraes e que esperava ser bloqueado “em breve” no Brasil.
X diz que espera bloqueio no Brasil
X/ Reprodução
Musk promete que a Starlink funcionaria de graça para seus assinantes brasileiros, porque, com o bloqueio das contas, eles “não teriam como pagar”.
30 de agosto: Moraes dá 24 horas para Anatel e operadoras tirarem o X do ar. E prevê multa de R$ 50 mil para qualquer pessoa ou empresa que use qualquer subterfúgio (como VPNs) para contornar o bloqueio e acessar a rede social.
Tensão Moraes X Musk
A rede social vem desobedecendo determinações da Justiça brasileira de tirar do ar perfis com conteúdo golpista ou de ataque às instituições. Além disso, acumula R$ 18,3 milhões em multas aplicadas pelo STF.
Elon Musk e Alexandre de Moraes
Reuters
Juristas criticam a decisão de Moraes contra a Starlink. A empresa de internet via satélite recorreu ao STF contra o bloqueio de suas contas, mas o recurso foi negado pelo ministro Cristiano Zanin.
Entenda a escalada de tensão entre Musk e Moraes
Como uma rede social sai do ar?
A suspensão de uma rede social por ordem judicial não acontece instantaneamente. Primeiro, o Judiciário ordenar que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) repasse o ofício com a ordem do bloqueio para as operadoras de internet ligadas ao órgão.
Na prática, cabe às operadoras suspender o acesso ao X. A maioria delas pode concluir esses processos em até um dia útil, segundo o diretor de tecnologia da empresa de telecomunicações Sage Networks, Thiago Ayub. Moraes deu 24 horas para as operadores tirarem o X do ar.
Em um primeiro momento, Moraes também deu 5 dias para que empresas como Apple e Google deixem de oferecer o aplicativo do X em suas lojas online. O texto também citava que essas empresas não deveriam permitir apps de VPNs. Mas o ministro suspendeu esta medida horas depois.
Moraes manteve a previsão de multa de R$ 50 mil por dia para qualquer pessoa que ou empresa que usar subterfúgios, como VPNs, para acessar a rede social após o bloqueio.
Bloqueio afeta site e aplicativo?
Sim. As próprias operadoras podem impedir o acesso dos clientes a todos servidores da rede social, incluindo tanto o que é acessado pelo navegador quanto o que é armazenado no celular.
Em um primeiro momento, Moraes também deu um prazo, de 5 dias, para que empresas como Apple e Google deixem de oferecer o aplicativo do X em suas lojas online. O texto também citava que essas empresas não deveriam permitir apps de VPNs. Mas o ministro suspendeu esta medida horas depois.
Moraes manteve a previsão de multa de R$ 50 mil por dia para qualquer pessoa que ou empresa que usar subterfúgios, como VPNs, para acessar a rede social após o bloqueio.
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Quais são as redes sociais alternativas?
O Threads e o Bluesky são os principais rivais do X (veja como abrir contas neles).
O primeiro foi lançado em 2023 e pertence à Meta, de Mark Zuckerberg, a mesma empresa que controla Instagram, Facebook e WhatsApp. Para ter uma conta nele, é preciso ter perfil no Instagram.
Já o Bluesky surgiu em 2019, criado pelo X (então Twitter), e se tornou uma empresa independente em 2021. Ele começou a ganhar mais adeptos depois que Elon Musk, que comprou o Twitter em 2022, decidiu limitar o número tuítes que um usuário com perfil não verificado poderia ler por dia.
Inicialmente, era preciso entrar numa “fila de espera” e ter o convite de um amigo para entrar. Isso caiu em fevereiro deste ano.
Bloqueio é uma decisão inédita no Brasil?
Não, outras plataformas já foram suspensas pela Justiça no país. O WhatsApp, por exemplo, já foi alvo de decisões parecidas em 2015 e 2016: relembre aqui.
O Telegram, por sua vez, foi suspenso no Brasil por alguns dias em 2022 e em 2023 por não cumprir decisões judiciais. Uma das ordens, que deixou o app fora do ar por dois dias, foi emitida por Moraes depois que o serviço não derrubou três perfis usados para disseminar notícias falsas.

Além do X, WhatsApp e Telegram já foram suspensos antes no Brasil; relembre

Ministro do STF Alexandre de Moraes mandou operadoras tirarem o X do ar por descumprir intimação de indicar representante no país. Ordens judiciais já causaram outros bloqueios temporários de redes. Pessoas utilizam celulares diante de projeção dos logos do WhatsApp e Telegram em foto ilustrativa.
Dado Ruvic/Reuters
O X não é a primeira rede social a ser suspensa no Brasil. Outras duas redes, o WhatsApp e o Telegram, já foram bloqueadas temporariamente no país, em outras ocasiões, também por ordens judiciais.
No caso do X, a empresa não cumpriu a determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de indicar um novo responsável no Brasil, após tirar seu representante no país e fechar seu escritório, em meados de agosto.
Relembre outros casos abaixo.
Telegram
Em 18 de março de 2022, o aplicativo de mensagens cofundado por Pavel Durov foi temporariamente suspensa do Brasil também após uma ordem do ministro Alexandre de Moraes.
Na época, Moraes atendeu a um pedido da Polícia Federal, depois de a plataforma descumprir ordens judiciais relacionadas à fiscalização de conteúdos criminosos publicados dentro dela. A suspensão foi revogada dois dias depois, quando a rede social cumpriu os pedidos judiciais.
Em 2023, uma nova ordem de suspensão foi decretada pela Justiça Federal em Linhares, no Espírito Santo, também a pedido da PF, depois que a plataforma desobedeceu a decisão judicial de fornecer dados de grupos neonazistas envolvidos em casos de violência em escolas.
Naquela ocasião, Durov inicialmente afirmou que os dados pedidos eram “tecnologicamente impossíveis de obter”, o que foi desmentido pela PF. Depois, o app entregou as informações e a rede voltou ao ar.
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WhatsApp
Em dezembro de 2015, após uma decisão de bloqueio emitida por uma Vara Criminal de São Bernardo do Campo (SP), o app de mensagens da Meta, de Mark Zuckerberg, ficou fora do ar por cerca de 14 horas.
No dia seguinte, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) derrubou a decisão e permitiu que o app voltasse a funcionar.
Em maio de 2016, o WhatsApp ficou fora do ar por cerca de 24h, após a Justiça de Sergipe ordenar o seu bloqueio. O motivo foi que a Meta (ainda chamada de Facebook) não cumpriu uma decisão anterior de compartilhar informações que seriam usadas em uma investigação criminal.
Em julho de 2016, pelo mesmo motivo, o aplicativo de mensagens ficou uma tarde fora do ar após uma decisão judicial de Duque de Caxias (RJ). Horas depois, o bloqueio foi derrubado por uma liminar de Ricardo Lewandowski, então presidente do STF, que considerou a medida desproporcional.

‘Se seus filhos têm celular, quem manda neles são a redes sociais’, diz pediatra Daniel Becker

À BBC News Brasil, pediatra fala sobre limites no uso do celular por crianças e adolescentes, temas da infância que deveriam estar em debate nestas eleições e o que fazer em casos de bullying. Pediatra e ativista pela infância, como se autodefine, Daniel Becker tem se tornado uma das principais vozes quando o assunto é o bem-estar de crianças e adolescentes
Marco Weyne/Divulgação
Ele tem mais de 1 milhão de seguidores no Instagram, rede social que utiliza para falar, dentre outras coisas, que crianças não deveriam estar ali.
Pediatra e ativista pela infância, como se autodefine, Daniel Becker tem se tornado uma das principais vozes quando o assunto é o bem-estar das crianças.
Ele defende cuidados simples, como a interação com elas, brincadeiras ao ar livre, acolhimento e criação de intimidade com os filhos.
Parece algo básico, mas a vida agitada e especialmente o uso excessivo do celular estão distanciando os adultos das crianças, causando uma série de efeitos, alerta Becker.
Para o pediatra, o celular se interpõe entre o olhar dos cuidadores e das crianças, tornando-se uma barreira para a criação de vínculo, afeto e intimidade.
Isso gera o que ele chama de “parentalidade distraída”, o que pode ter até mesmo consequências catastróficas.
Estamos tão apegados a esse aparelho, que, segundo o médico, que é formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e é mestre em saúde pública, até a televisão é melhor que o celular.
Ao menos você tem maior poder de escolha sobre o que assistir na TV e não fica submetido aos algoritmos, diz Becker, de seu consultório no Rio de Janeiro, nesta entrevista realizada por videochamada.
Mas, embora o celular seja o meio de propagação de conteúdos “viciantes” e comparáveis ao “lixo” que está nas redes sociais, o pediatra diz que dá para estabelecer uma relação minimamente saudável para crianças e adolescentes com ele.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil – Este é um ano de eleições municipais, mas o debate entre os candidatos passa longe de temas voltados para a infância. O que um bom plano de governo voltado à infância deveria ter, na sua opinião?
Daniel Becker – Proteger a criança e promover a saúde e a qualidade de vida dela significa cuidar das famílias também, especialmente das mães. Existem muitas políticas que são municipais e que estão fora do radar, como a cobertura de creches.
O Brasil tem a meta de ter 50% de cobertura de creche [ou seja, ter creche para ao menos metade das crianças de 0 a 3 anos], mas existem municípios onde não há praticamente nenhuma creche. E, sem creche, você tem uma mãe completamente assoberbada que não tem onde deixar a criança, ou vai deixar sob cuidados precários.
No plano da saúde, é importante o investimento na saúde da família, que envolve, dentre outras coisas, a vacinação, algo que depende muito do município. O apoio à amamentação, crucial para o bebê e para a mãe, também precisa ser bem desenvolvido.
Todo médico de atenção básica e todo médico de família deveria ser treinado para dar apoio à amamentação. Temos uma política aqui no Brasil maravilhosa que são os bancos de leite, mas o município sequer divulga isso, muitas vezes.
Outra atividade muito bacana são os grupos de gestantes e os grupos de puérperas, que podem ser formados por meio da atenção básica da saúde. Os programas municipais de infância estão trabalhando algo também importantíssimo, que são os programas de educação parental.
Na maioria das vezes, as famílias, especialmente as mais pobres, não têm noção da importância, por exemplo, do estímulo ao desenvolvimento, do carinho e do afeto na criação dos filhos.
Isso inclui orientações sobre uma boa alimentação também. As pessoas não sabem que miojo não faz mal, que dar salgadinho e refrigerante para o bebê faz mal. Hoje, 80% das crianças acima de 8 meses já provaram coisas açucaradas, inclusive refrigerantes.
Tem outra política que considero especialmente importante e que é muito benéfica para toda a sociedade: a cidade amiga da criança.
Ou seja, manter as praças bem cuidadas, acessíveis, iluminadas, seguras, com bons brinquedos, com sombra, arborizar as calçadas. A brincadeira no espaço público é o melhor benefício possível para uma criança: vai beneficiar saúde física, mental, espiritual, emocional, melhora a imunidade, reduz problemas de comportamento, melhora o apetite.
Além disso, ativa o turismo e o comércio, aumenta a arrecadação da prefeitura.
BBC News Brasil – O senhor fala muito da importância de brincar em meio à natureza, no parque, na areia. Mas esses espaços, os parques, geralmente não estão nas periferias. Ou seja, as crianças da periferia, mais uma vez, são privadas dessa convivência.
Becker – Isso se chama racismo ambiental ou injustiça ambiental ou injustiça recreativa também.
BBC News Brasil – O uso do celular por crianças e adolescentes é um tema, mas queria perguntar antes sobre o uso pelos adultos. O senhor usa um nome para as consequências disso, “parentalidade distraída”. Do que se trata?
Becker – O celular tem um apelo viciante muito mais profundo do que a televisão, e o adulto se perde nas redes sociais, deixando de olhar para a criança.
O celular acaba se interpondo entre o olhar do pai e do filho. O olhar é fundamental para a criança, porque é nesse olhar que ela vai encontrar o afeto, o carinho e o vínculo.
É na interação com a gente, por exemplo, que a linguagem se desenvolve. Não existe desenvolvimento da linguagem olhando para tela ou vídeo.
A precarização desse vínculo gera um empobrecimento de relação, e isso vai afetar a autoestima da criança. Ela vai perceber que aquele negócio na mão do pai é mais importante do que ela. Não é apenas o desenvolvimento em geral que está em risco. Acidentes estão acontecendo.
Canso de ouvir que filho não vem com manual. Mas o manual está ali dentro dos olhos dos seus filhos. Olhe para eles. Ninguém precisa passar duas horas brincando com a criança no chão para desenvolver intimidade. São ações simples, é o convívio simples, é acordar a criança, dar o café da manhã, dar um banho, contar uma história, jantar junto, brincar um pouquinho. Contar histórias na hora de dormir, que é um gesto simples, mas marca a criança pelo resto da vida dela de forma positiva.
Esse convívio gera uma coisa chamada intimidade, que é a chave da educação. Quem consegue intimidade com seus filhos não precisa apelar nem para a permissividade excessiva, nem para o castigo, para a palmada, para coisas piores. Castigo e palmada não fazem ninguém aprender nada.
‘Se seus filhos têm celular, quem manda neles são a redes sociais’, diz pediatra Daniel Becker
Getty/via BBC
BBC News Brasil – Muitos educadores dizem que birra não existe. O que o senhor acha?
Becker – A gente chama de birra, mas acho que tem nomes mais apropriados. Seria uma crise de irritabilidade e está essencialmente ligada ao momento de desenvolvimento daquela criança.
Com cerca de 1 ano e meio, ela começa a dominar todas as capacidades de um ser adulto para a interação social. Começa a falar, a entender, a se movimentar, a alcançar as coisas, a desenvolver autonomia. E é por isso que quer fazer só o que ela quer, não vai aceitar ordens.
Qualquer coisa que venha contrariar seus desejos vai gerar uma briga e ela vai ficar irritada, porque não tem noção de controle de impulso. Se ficar chateada, aquela chateação vai dominá-la completamente. Ela vai chorar, se jogar no chão, vai bater.
As pessoas ficam ofendidas quando isso acontece, dizem “meu filho me bateu”. Isso é um absurdo. São crianças que estão aprendendo as noções de sociabilidade e que não têm a menor noção das relações sociais. Não sabem o que significa um tapa ou se jogar no chão. Isso é adrenalina que está circulando ali dentro, e a criança precisa de movimento. Isso é parte do desenvolvimento necessário e natural de toda criança.
BBC News Brasil – Até que idade isso é normal?
Becker – Até os 4 anos. Se passar muito disso, já é preciso ter um olhar mais cuidadoso. Com 4 anos, existe um salto de desenvolvimento em que a criança fica com mais inteligência, mais discernimento, mais capaz de compreender as regras sociais, ela fica com uma certa malícia, começa a entender piadinhas, ironias e brincadeiras.
É um momento delicioso de desenvolvimento. Os 4 anos são a minha idade preferida, porque a criança brinca contigo, sorri, entende a maldade, vira uma palhaçada, entende a piada.
A gente precisa entender que isso é parte do desenvolvimento e ter um pouco de paciência. Isso passa. Brigar, castigar, dar tapas nessa hora vai piorar e ainda gerar consequências muito negativas no futuro.
O momento da birra pode ser uma oportunidade educativa para a criança, porque é uma explosão emocional. Não adianta você fazer discurso nesse momento. É ridículo dizer para a criança que ela deve ir para o cantinho do pensamento, isso não funciona. Você acha que ela vai pensar sobre o que fez?
Nessa hora, é preciso acolher, acalmar, respirar junto. É o que a gente chama de corregulação. No meio da birra, o que a criança precisa é de um abraço, de ser contida. Respire junto com ela.
Uma coisa legal é ensinar a respiração do “cheira a florzinha, assopra a velinha” antes da crise. Na hora da crise, você faz com ela. Essa respiração é mágica, porque respirar fundo e expirar soprando tem um efeito calmante no cérebro. É um gesto que traz alívio.
Você pode usar esse momento para mostrar o que sente. Acolha os sentimentos, dê legitimidade a ela. Todo sentimento é legítimo. O que a gente não deve legitimar é a reação inadequada a um sentimento. Qualquer emoção é válida, e ninguém pode deixar de sentir uma emoção porque quer.
Acolha a emoção, diga: “Olha, você pode estar com raiva, eu também fico com raiva. Mas você não pode bater em mim. Aqui em casa, a gente não bate em ninguém”.
BBC News Brasil – A Assembleia Legislativa de São Paulo está debatendo um projeto de lei para proibir o uso de celular nas escolas. Como estabelecer uma relação minimamente saudável dos jovens com o celular?
Becker – A tecnologia ocupa uma parte da nossa vida, e as crianças não vão ficar fora disso.
O problema é: a partir de que idade a criança tem que ter contato com uma tela digital? A partir de que idade ela tem que ter um celular ou estar em uma rede social? Essa é uma discussão muito relevante.
Existem tecnologias que são apropriadas e outras não, porque vão trazer riscos altíssimos para o desenvolvimento. A gente sabe que qualquer tela vai trazer prejuízos para uma criança pequena. Por isso, especialistas insistem que até 1 ano e meio, 2 anos, a criança não tenha acesso à tela. Isso não quer dizer que, se a mãe estiver amamentando um bebê de 6 meses enquanto assiste à novela, isso vai ser um problema. Não é isso.
Agora, uma mãe não deve ficar no celular enquanto amamenta, por exemplo, porque as redes sociais têm um algoritmo que determina o que vamos assistir, que geralmente é lixo viciante. Pode acontecer da criança se distrair também e ficar assistindo. Às vezes, acontece até de a criança morder o peito da mãe sem querer, devido a um estímulo vindo do celular.
Depois dos 2 anos, até uns 5 anos, você pode permitir o uso de tela, de preferência da televisão, porque você escolhe o que vai passar ali e, de preferência, com interação com um adulto. Até os 5 anos, você pode estabelecer uma hora e meia por dia de televisão.
Depois, dos 5 aos 10 anos, dá para flexibilizar um pouco. Mas ter um telefone celular, com acesso à internet, aos 8 anos, é escandaloso. É um erro muito absurdo e vai custar muito caro para a família depois. Quanto mais cedo a criança tiver o celular, mais nocividade ela vai sofrer. Maior tendência à depressão, ansiedade, pânico e até problemas graves de vício.
Uma criança com 8 anos não tem discernimento para distinguir um golpista de um amigo, um pedófilo de um professor. O crime mudou para a internet, e ele não está só nas redes sociais, está no WhatsApp também.
Por isso, a recomendação é não entregar um celular nas mãos da criança antes do fim do ensino fundamental. E não deixar que elas entrem em redes sociais antes dos 15, 16 anos. As redes sociais são um mundo de horror que se abre para a criança.
A ansiedade no Brasil, de 2013 para cá, aumentou 1500% na adolescência, segundo pesquisa do Datafolha feita com dados da atenção psicossocial do SUS [Sistema Único de Saúde].
É escandaloso. Superou o atendimento de adultos em número absolutos. E o que aconteceu de 2013 para cá? Teve a pandemia, mas ali só foi registrada uma leve oscilação. O problema começou em 2010, 2012, quando todo mundo começa a ter celular, redes sociais.
A escola é um lugar absolutamente estratégico hoje em dia, porque é regulamentada. É onde ainda é possível aplicar regras. As famílias não conseguem aplicar regras, porque ninguém consegue vencer a Meta [dona do Instagram, Facebook e WhatsApp] ou a ByteDance [dona do Tik Tok]. Quem manda nos seus filhos hoje, se eles têm celular, são essas empresas.
Por isso, tem que proibir o uso de celular não só na sala de aula, como também no recreio, que é o último reduto do brincar hoje. Brincar é a coisa mais importante da infância. Uma infância que não brinca gera adultos estúpidos, infelizes, deprimidos, violentos e intolerantes.
O recreio é precioso e não pode ser com celular. A escola tem que ser uma pausa dessa invasão do digital ao mundo real. É celular zero, da entrada até a saída.
‘Se seus filhos têm celular, quem manda neles são a redes sociais’, diz pediatra Daniel Becker
Getty
BBC News Brasil – Nessa era de cyberbullying, quais sinais a família precisa ficar atenta para saber se seu filho está sofrendo esse tipo de crime? E, por outro lado, o que fazer quando quem pratica o bullying é o seu filho?
Becker – A criança que sofre bullying não conta para ninguém, porque a humilhação é tão terrível. Ela se sente tão mal que tem vergonha do que ela está passando, de ser quem ela é, de ser tão fraca, de não conseguir reagir. Ela não vai contar para os pais, porque tem medo que reajam mal.
É preciso prestar atenção em quem são as vítimas preferenciais. Os tímidos, os mais nerds, os diferentões, o gorducho ou o magrelo, o cara que usa óculos fundo de garrafa, ou o que é atípico, o que não joga bola bem, o negro em uma escola branca.
Os mais novos da turma são vítimas preferenciais também, porque eles têm menos malícia e menos inteligência social para enfrentar essa malícia.
[Fique atento] Se o seu filho começa a dar qualquer sinal de que não está legal, seja porque ele chega da escola triste, inventa doença, faz cara triste para ir para a escola, está desanimado na hora de sair.
Ou a escola está reportando que ele não quis participar de alguma aula de educação física, que no recreio ele está sozinho. A escola geralmente não informa isso, mas esse é um sinal clássico.
Ele também deixa de conversar com a família, fica mais arredio, dentro do quarto jogando e deixando de sair com os amigos de fora da escola. São sinais claros de que algo não está bem, e você tem de conversar com ele de forma sutil.
Vá fazer um programa que ele goste, chame para passear. Tem vários filmes hoje sobre bullying — assista um com ele, converse depois sobre isso. São algumas das formas de conseguir chegar nessa criança.
Bullying é hoje um crime tipificado por lei, com consequências para quem pratica, para os responsáveis pela criança e para a escola. A escola que não toma providências pode ser responsabilizada judicialmente.
Existem muitas estratégias hoje em dia. Tem que ter educador preparado, fazer capacitação para enfrentamento de bullying. Sempre recomendo devolver isso para a turma em que o bullying ocorreu, questionando como resolver isso.
Aí, eles pesquisam, fazem debates, fazem roda de conversa, acolhem esses dois lados. Porque o agressor muitas vezes tem que ser acolhido também, ele está sofrendo em casa, muitas vezes.
A escola tem que ter política de prevenção de bullying, que começa com educação antirracista, inclusiva, cultura africana. Tem que ter a educação ambiental, socioemocional, tem que ter espaços de acolhimento para quem está sofrendo, tem que identificar meninos e meninas isolados, tem que ter tutores para essas crianças, um espaço de privacidade onde a criança possa contar para alguém o que está acontecendo com ela.
Em relação a quem está praticando bullying, essa criança está geralmente sofrendo também, mas é óbvio que aí a conversa é um pouco mais rigorosa. Também é importante a família falar de respeito ao outro, de privacidade, de educação, de etiqueta na internet.
Os sinais de um agressor são crianças mais raivosas, mais agressivas. Mas, geralmente, os pais sabem que a criança está praticando bullying quando a queixa chega na família,
Mas é importante dizer que ambos os lados do bullying têm trauma para o futuro.
Vítimas e praticantes de bullying, quando essas vivências não são processadas de forma adequada, são crianças que, no futuro, terão mais problemas de relacionamento, no trabalho, terão mais tendência a adoecimento físico, mental, ao uso de remédios e de drogas também.

Musk aceitou bloquear contas no X na Turquia e na Índia: por que no Brasil foi diferente?

Especialistas apontam que Musk teria razões políticas e econômicas para acatar decisões de outros países e descumpri-las-las no Brasil Elon Musk
Gonzalo Fuentes/Reuters via BBC
A batalha jurídica entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a rede social X e seu dono, o bilionário Elon Musk, teve como ápice a derrubada da plataforma no Brasil desde as primeiras horas do sábado (31/8).
De um lado, o STF determinou que a empresa nomeasse um representante legal no Brasil e que acatasse a uma série de ordens relativas ao bloqueio de conteúdo e usuários. Do outro, Musk vem se recusando a acatar as ordens e acusa o judiciário brasileiro de ser uma ameaça à democracia.
Entenda em 5 pontos a decisão de Moraes de bloquear o X e o que acontece agora
Ministros do STF defendem que Moraes submeta decisão que suspendeu X à análise da Corte
Musk vem repetindo que sua determinação em não cumprir as ordens do STF fazem parte de sua defesa à liberdade de expressão. Por outro lado, o ministro Alexandre de Moraes, responsável pela ordem que suspendeu o X no Brasil, argumenta que “Elon Musk confunde liberdade de expressão com uma inexistente liberdade de agressão”.
Mas disputas envolvendo ordens para bloqueio de conteúdo não são novidade para o X e nem para Musk, mas pelo menos dois casos semelhantes tiveram desfechos bastante diferentes. Na Índia e na Turquia, por exemplo, autoridades determinaram a derrubada de perfis e conteúdo considerado inapropriado e, apesar de uma resistência inicial, o X acabou cumprindo as determinações.
O fato de o desfecho nestes países ter sido diferente, embora a situação fosse parecida levou à questão: por que Musk acatou ordens na Turquia e na Índia, mas faz questão de descumprí-las no Brasil?
A BBC News Brasil ouviu especialistas em mídia, direito e democracia para ajudar a responder esta questão. Eles argumentam que, Musk adota esta postura no Brasil por uma conjunção de fatores, entre eles, o apoio que ele tem por parte da direita brasileira, especialmente aquela que orbita em torno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Eles argumentam que essa proximidade cria condições para que Musk desafie o STF na medida em que oferece suporte político para essa postura.
Os especialistas apontam ainda que, apesar de Musk se colocar como defensor do direito à liberdade de expressão, na prática, ele concilia essa suposta bandeira com seus interesses econômicos ao ponto de não hesitar em manter negócios bilionários com países considerados por eles como autoritários, a exemplo da China e da Arábia Saudita.
Narendra Modi é considerado um dos primeiros-ministros mais poderosos da Índia desde a independência do país
Reuters via BBC
Índia: “Batida”, bloqueios e promessas
Em 2021, antes de Musk comprar a plataforma, o então Twitter iniciou uma batalha legal com o governo indiano liderada pelo primeiro-ministro Narendra Modi. Em meio ao embate, a polícia indiana chegou a dar uma batida em escritórios da empresa no país.
No centro dessa disputa estavam as demandas do governo indiano para que o Twitter bloqueasse uma série de perfis vinculados a protestos massivos de fazendeiros contra o governo de Modi.
Nos últimos anos, o governo de Naredra Modi vem sendo acusado por organizações não-governamentais que atuam na defesa dos direitos humanos de adotar políticas discriminatórias contra minorias étnicas no país e de tomar medidas para silenciar oposicionistas.
O governo indiano, então, pediu ao Twitter para remover tweets que usavam uma hashtag considerada “incendiária” e contas usadas por grupos separatistas da etnia sikh e supostamente apoiadas pelo Paquistão.
Na ocasião, o Twitter bloqueou cerca de 250 contas em resposta a uma notificação legal do governo, mas seis horas depois, restabeleceu os perfis.
Em 2022, ainda antes da compra da plataforma por Musk, o Twitter deu início a uma ação contra as demandas do governo indiano para a remoção de perfis e conteúdo sob o argumento de que eles representavam uma ameaça à “ordem pública”.
Na época, a então direção do Twitter contra-argumentou afirmando que alguns dos pedidos para bloqueio de contas e remoção de conteúdo violavam direitos básicos como a liberdade de expressão.
Em fevereiro de 2024, porém, após a compra do Twitter por Musk, a plataforma acatou às decisões do governo indiano e admitiu ter bloqueado uma série de contas ligadas a manifestantes contrários ao governo.
“Em cumprimento às ordens, nós vamos bloquear essas contas e postagens apenas na Índia, entretanto, nós discordamos com essas ações e mantemos que a liberdade de expressão deveria ser estendida a estas postagens”, disse uma nota divulgada pela empresa na época.
E apesar de o X ter acatado as decisões do governo indiano, Elon Musk, parabenizou Modi por sua vitória nas eleições gerais deste ano.
“Parabéns, Narendra Modi por sua vitória nas eleições da maior democracia do mundo. Estou ansioso para ver minhas companhias fazendo um trabalho emocionante na Índia”, disse Musk em seu perfil no X.
Nos últimos meses, especulou-se a possibilidade de que Musk poderia fazer um investimento bilionário para a construção de uma mega-fábrica de baterias da Tesla, sua empresa de carros elétricos na Índia.
Uma visita de Musk ao país chegou a ser cogitada, mas foi cancelada pouco antes de sua realização.
Em maio, foi anunciado que a fábrica será construída na China, onde Musk já fabrica carros da Tesla e onde o X não é permitido.
Recep Tayyip Erdogan foi reeleito primeiro-ministro da Turquia em maio de 2023
Getty Images via BBC
Bloqueios de um lado, visita amistosa de outro
Em maio de 2023, já sob o comando de Musk, o X e Elon Musk foram criticados por ter acatado as determinações do governo turco, liderado por Recep Tayyip Erdoğan, para derrubar contas e postagens de personalidades ligadas à oposição no país.
Em nota, divulgada na época, o X admitiu que cumpriria as ordens.
“Em resposta a um processo legal e para assegurar que o Twitter permanece disponível para as pessoas na Turquia, nós tomamos medidas para restringir o acesso a algum conteúdo na Turquia hoje”, disse uma nota da equipe de Assuntos Globais do X, na época.
Apesar de se auto-proclamar como um “absolutista defensor da liberdade de expressão”, Musk reagiu ao ser criticado pela postura adotada pela companhia na ocasião.
“A escolha é ter o Twitter totalmente limitado ou limitar o acesso a alguns tweets. Qual você quer?”, disse Musk em seu perfil no X.
As determinações do governo turco para a derrubada de conteúdo no X não impediram, porém, que Musk tivesse um encontro com o primeiro-ministro turco quatro meses depois. Em setembro de 2023, os dois se encontraram em Nova Iorque, durante a passagem de Erdogan pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
O encontro amistoso contou até com a presença de um de seus filhos e com o pedido de Erdogan para que Musk construísse uma fábrica da Tesla em seu país.
“Hipocrisia” e ligação com direita
Para especialistas em mídia e relações internacionais ouvidos pela BBC News Brasil, o argumento de Musk para descumprir as ordens do STF no Brasil ao ponto de levar à derrubada da plataforma no país não se sustenta.
Segundo eles, Musk estaria sendo “hipócrita” e agiria baseado em interesses políticos e econômicos.
“É hipocrisia Musk afirmar que desafia as ordens do STF por defender a liberdade de expressão, mas acatar ordens semelhantes em outros países. Além disso, como pode um defensor tão ferrenho da liberdade de expressão simplesmente silenciar sobre o fato de o X não ser permitido em países como a China, onde ele tem negócios?”, disse à BBC News Brasil o especialista em antropologia da tecnologia e professor da Universidade da Virginia, David Nemer.
Segundo ele, Musk só teria “esticado a corda” no Brasil por contar com apoio de parte expressiva da direita brasileira.
“Ele tem o apoio de figuras importantes da direita brasileira como o ex-presidente Jair Bolsonaro, e muitos outros parlamentares que, agora, estão criticando a decisão. Esse suporte político dá a ele a liberdade de contestar as ordens do Supremo no Brasil e, ao mesmo tempo, ajuda a desgastar a credibilidade da instituição no país”, disse Nemer.
Na semana passada, políticos de direita no Brasil como o senador e filho de Jair Bolsonaro, Flávio Bolsonaro (PL-RJ) voltaram a defender o impeachment de Alexandre de Moraes.
Nemer pontua ainda que Turquia e Índia são países importantes nas estratégias de negócios de Musk. A Turquia é um dos países mais populosos da Europa e também tem ligações com o continente asiático, já que a maior parte do seu território se localiza na Ásia.
A Índia, por outro lado, é o país mais populoso do mundo e é uma das maiores economias no mundo, neste momento. Além do potencial como mercado consumidor, a Índia desponta como um possível local onde Musk pode instalar fábricas da Tesla.
O professor de Estudos Brasileiros na Universidade de Oklahoma Fábio de Sá e Silva tem uma avaliação semelhante à de Nemer.
“O que ele faz é um uso oportunista e a la carte do argumento de liberdade de expressão quando esse argumento casa bem com os interesses econômicos e políticos dele em cada país”, disse o professor à BBC News Brasil.
Silva afirma que o comportamento de Musk em torno da liberdade de expressão muda de acordo com seus interesses empresariais.
“Ele não é sincero e honesto quando diz ser um defensor da liberdade absoluta de expressão, já que convive bem com restrições desses regimes autoritários […] Índia, Turquia, China e Arábia Saudita são fontes de recursos importantes para os projetos dele, tanto na condição de mercados relevantes, como também na condição de fontes de investimento”, afirmou Silva.
O professor diz que, além dos interesses comerciais, o que explicaria a adoção de comportamentos diferentes diante de situações parecidas de Musk seria o seu alinhamento político atual.
“No caso brasileiro, parece haver uma proximidade entre Musk e a extrema direita. Ele foi condecorado por Bolsonaro e a agenda da liberdade absoluta de expressão, embora não tenha respaldo na Constituição de 1988, foi encampada pela nossa extrema direita”, afirmou.
Segundo ele, Musk ajusta seus interesses políticos aos seus interesses econômicos.
“É um alinhamento político, mas que também casa com os interesses econômicos dele de poder operar sem restrições em mercados democráticos, ao mesmo tempo em que faz as acomodações necessárias em contextos autoritários”, explicou.
A BBC News Brasil enviou questionamentos à assessoria do X, mas nenhuma resposta foi enviada.
Rede X já não está mais disponível para a maioria dos brasileiros, diz Anatel

Primeira Turma do STF começa a julgar nesta segunda decisão de Moraes que suspendeu X no Brasil

Ministros vão decidir se mantém ou não a ordem de bloqueio da plataforma até pagamento de multas e indicação de representante no Brasil. Logotipo do X, antigo Twitter, na entrada do Supremo Tribunal Federal (STF)
Ueslei Marcelino/Reuters
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar na madrugada desta segunda-feira (2) se confirma ou não a decisão do ministro Alexandre de Moraes que suspendeu o funcionamento da rede social X no Brasil (leia mais abaixo).
O julgamento será no plenário virtual do STF e os ministros terão até 23h59 do mesmo dia (segunda) para inserirem os votos no sistema eletrônico.
Além de Moraes, também votam os ministros Cármen Lúcia, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Flávio Dino.
Rede X já não está mais disponível para a maioria dos brasileiros, diz Anatel
Nos bastidores, havia uma pressão para que decisão fosse submetida aos demais ministros e referendada na próxima semana, como informou o blog da Andréia Sadi.
Sucessivos descumprimentos
Desde abril, o bilionário Elon Musk, dono do X, tem descumprido várias ordens do ministro Alexandre de Moraes de bloquear contas de investigados pelo STF, acusados de afrontar a democracia e a legislação brasileira.
Musk também não pagou as multas, que somam, até agora, R$ 18,35 milhões por descumprir ordens judiciais.
O dono do X postou imagens com sátiras ao ministro no próprio X e acabou incluído como investigado no inquérito das milícias digitais, do qual Moraes é relator.
A suspensão do X foi determinada até a rede cumprir ordens judiciais, pagar multas e indicar um representante no país.
O X fechou o escritório no Brasil no dia 17 de agosto, alegando que Moraes ameaçou prender a então representante legal da empresa no país.
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Elon Musk e Alexandre de Moraes
Reuters
‘Liberdade de expressão’
Na decisão desta sexta-feira (30), o ministro disse que, quando intimada, a referida plataforma incorreu em desobediência judicial e resolveu, criminosamente, divulgar mensagem incitando o ódio contra a Suprema Corte.
Moraes afirmou ainda que Elon Musk confunde liberdade de expressão com uma inexistente liberdade de agressão, confunde deliberadamente censura com proibição constitucional ao discurso de ódio e de incitação a atos antidemocráticos.
O ministro disse ainda que “a instrumentalização criminosa de diversas redes sociais, em especial a rede X, também vem sendo investigada em outros países”. E citou um trecho do parecer do Procurador-geral Paulo Gonet, que concordou com a decisão de suspender o X.
Gonet lembrou que o empresário Elon Musk tem cumprido centenas de ordens de remoção de conteúdo vindas dos governos da Índia e da Turquia.
No despacho de sexta, Alexandre de Moraes afirmou ainda que houve “reiterados, conscientes e voluntários descumprimentos das ordens judiciais e inadimplemento das multas diárias aplicadas, além da tentativa de não se submeter ao ordenamento jurídico e Poder Judiciário brasileiros, para instituir um ambiente de total impunidade e ‘terra sem lei’ nas redes sociais brasileiras, inclusive durante as eleições municipais de 2024”.
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